Uma imersão na cadeia do leite cearense que desmistifica e mostra um Brasil de excelência
Respiro fundo e sinto aquele ar peculiar que só o Ceará consegue entregar: uma mistura de brisa salgada com o cheiro inconfundível do interior nordestino. Estou prestes a embarcar numa jornada que, à primeira vista, poderia parecer trivial, afinal, quem nunca tomou leite? Mas, como logo descobriria, por trás de cada copo existe uma cadeia complexa, repleta de desafios, tecnologia e histórias de superação. A imersão organizada pela Revista Leite Integral, em parceria com o incansável Movimento Beba Mais Leite e com o imprescindível apoio da Alvoar Lácteos, prometia, e cumpriu, revelar muito mais do que o caminho do leite da fazenda à mesa.

De influencers regionais a profissionais da saúde, passando por jornalistas especializados de outros cantos do Brasil, fomos reunidos num grupo seleto e quase intimista, com 15 convidados escolhidos a dedo. A Dra. Ana Paula Menegatti CEO da Revista Leite Integral e uma das organizadoras do evento, não escondia a alegria de realizar mais uma dessas ações presenciais que, convenhamos, têm um calor humano que nenhum evento digital consegue replicar.
A proposta era clara: quebrar mitos, compartilhar informação de qualidade e, acima de tudo, ouvir quem está na lida diária com o leite.

“Há 10 anos a gente trabalha a agenda positiva do leite de diversas formas, tanto com eventos offline, como é o caso aqui, eventos presenciais, que a gente adora, quanto com uma série de ações digitais que são tão relevantes também pra gente ter a nossa voz multiplicada. O caminho do leite da ordenha até a indústria, que parece óbvio pra quem vive no campo, não é para a maioria das pessoas que vivem nos centros urbanos. Entender melhor de onde vem e como o leite é produzido, é muito legal pra gente levar informação de qualidade para as pessoas, e com base na informação verdadeira, cada um pode tomar a sua decisão.“, explica Ana Paula.
Das praias ensolaradas ao semiárido produtivo
A jornada começou cedo, com o deslocamento da capital Fortaleza para Limoeiro do Norte, no Vale do Jaguaribe. Confesso que, como muitos, eu ainda associava o Ceará exclusivamente a praias paradisíacas e festas populares. Mas o estado guarda um papel relevante na pecuária leiteira do Nordeste, e era isso que estávamos ali para conhecer.
Já no trajeto, tivemos a oportunidade de bater um papo bem interessante com a Diretora de Marketing, Cynthia Serreti e o Diretor Executivo de Captação de Leite, Armindo José Neto, ambos da Alvoar Lácteos, e entender melhor sobre o mercado lácteo e potencial da bacia leiteira cearense. “Nossa missão é sempre estar próximo ao produtor, ser um difusor de conhecimento e garantir que a produção dele seja captada na sua totalidade, independente do volume. Nossos investimentos estão em todos os elos da cadeia produtiva, temos projetos sociais de acompanhamento e pagamos o produtor a cada 15 dias. Isso dá segurança a quem produz.“, comenta Armindo.

Em um mercado exigente e competitivo, manter a produtividade frente aos desafios do campo não é tarefa fácil para nenhuma empresa. Nesse sentido, a Diretora de Marketing relembra que a partir dos investimentos do Banco Mundial, através do IFC (International Finance Corporation), reafirmou o compromisso da Alvoar em aumentar a produção, processamento e distribuição de lácteos, com o objetivo de combater a desnutrição e a insegurança alimentar na região, ao mesmo tempo que fortalece a cadeia de abastecimento de leite no país.
“A entrada do Banco Mundial demonstra a solidez e os propósitos claros da Alvoar com o setor lácteo brasileiro. O impacto social é percebido em toda cadeia produtiva, não só da região nordestina, mas em todas as regiões onde atuamos. Esse compromisso que temos em cada vez mais melhorarmos a qualidade dos produtos e a prestação dos serviços para nossos clientes, e digo isso incluindo o pecuarista – que é nosso cliente também, nos garante alcançarmos patamares elevados, por isso hoje somos a quinta maior industria de laticínios do país.“, avalia Cynthia com brilho estampado nos olhos.
Produtividade e gestão na ponta do lápis
Seguindo o roteiro, a primeira parada foi na Fazenda Beira Rio, cerca de 200km de Fortaleza. Arinilson Macena, o proprietário, recebeu o grupo com simplicidade e orgulho. Bastaram poucos minutos para que a fazenda deixasse claro seu status de referência regional. Com 66,5 hectares, dos quais 35% são de reserva legal, e 79 vacas em lactação, a propriedade é exemplo de produtividade e gestão moderna. Mais do que um pecuarista de leite, Arinilson é gestor, estrategista e um entusiasta da inovação.

Ali, vimos de perto o sistema Compost Barn, que garante conforto térmico e bem-estar animal mesmo sob o calor impiedoso do semiárido. A cena era quase poética: vacas Holandesas e Girolando repousando em camas de compostagem, com ventiladores e sistemas de irrigação garantindo o conforto. Resultado? Uma média de 31 litros por vaca/dia, num total de 2.450 litros diários.
Arinilson é didático ao explicar que o tempo da “vacaria” ficou para trás. Hoje, a pecuária leiteira exige investimento, gestão e controle. “Antigamente era paixão, hoje é negócio”, resume. E que negócio: os números impressionam. Um investimento de mais de R$ 1,7 milhão para abrigar 100 vacas, mas com payback em 36 meses e previsão de lucro de 27% para 2025. Poucas atividades oferecem essa margem num prazo tão enxuto.

“Eu tô mostrando para todo mundo que a atividade é muito retável, mais rentável do que muitas outras atividades. Agora tem que ser feito com excelência, tem que ser feito com gestão, com competência, com controle, com organização, com métodos, com equipe, né? Se não tiver isso, não vai funcionar. Essa é a realidade.“, destaca Arinilson.
A tradição na lida leiteira
Depois, seguimos para a Fazenda São Francisco, de Moisés Maia de Andrade, que há 45 anos se dedica à atividade. Uma propriedade um pouco menor, mas igualmente organizada, tocada por Moisés, seus dois filhos e apenas um funcionário. Aqui, a gestão é familiar e o orgulho transborda a cada história contada. A produção média de 1.500 litros diários, com 60 vacas, também utiliza o Compost Barn e adota práticas sustentáveis como o reuso de água.

O Sr. Moisés representa aquele Brasil rural que se moderniza sem abrir mão da tradição. É bonito ver quando experiência e juventude convivem harmonicamente no campo.
“Produzir leite não é fácil nesse nosso semiárido. Mas meu pai criou 15 filhos a custas de leite, vacas, touros e bode que valiam muito naquela época. Então nós estamos tendo muita sorte de conseguir fazer a sucessão familiar, hoje com meus filhos já cuidando da lida. Hoje eu mesinto honrado e feliz pelo que eu fiz, agradeço demais a Deus pelo resultado que tenho e esse é um negócio muito bom, estou muito satisfeito.“, reafirma Moisés sobre a lucratividade na atividade leiteira.

Do curral à indústria
O contraste ficou ainda mais evidente na visita à fábrica da Alvoar Lácteos em Morada Nova. A planta impressiona pelo tamanho e capacidade, são mais de 1 milhão de litros processados diariamente. Ao todo a empresa processa cerca de 4,6 milhões de litros por dia, distribuídos em sete unidades industriais, sendo cinco no Nordeste e duas em Minas Gerais, posicionando a Alvoar entre as 5 maiores do país.
A conversa com Bruno Girão, CEO da Alvoar, trouxe um olhar estratégico sobre a cadeia, “A indústria precisa ser o porto seguro do produtor, comprando leite todos os dias, o ano inteiro”, resume Bruno.
A Alvoar é fruto da união das marcas Betânia e Embaré, possui um portfólio completo de produtos lácteos. As principais são Betânia, Camponesa, Betânia Kids, YoBem e Caramelos Embaré. A empresa investe constantemente em assistência técnica, controle de qualidade e segurança de compra. E vai além, apostando em tecnologias como energia solar e iniciativas ambientais para reduzir a pegada de carbono. É a visão de cadeia que, como bem destacou Girão, garante não só rentabilidade, mas também a sucessão familiar no campo.

“Se observar onde o leite cresce no Brasil, você vai ver que tem o que chamamos de clusters de produção [agrupamento de empresas que atuam no mesmo setor e que colaboram entre si para aumentar a eficiência e a competitividade]. E por que crescem núcleos? Porque ali você consegue criar uma rede de serviços que esses produtores conseguem ter. Por exemplo, ele consegue comprar uma ordenha mecânica e ter assistência técnica quando ela pifa, comprar insumos em grupo com ofertas melhores de preço e por aí vai. Esse é um modelo de desenvolvimento utilizado em muitas regiões do mundo. E no leite funciona assim“, revela Bruno Girão.
Quebrando mitos: Leite UHT não tem conservantes
O ponto alto do dia veio na palestra da Dra. Ana Maria de Ulhôa Escobar, médica pediatra, doutora livre-docente, escritora e, comunicadora brasileira. Com empatia e bom humor, ela desmontou um dos mitos mais arraigados no imaginário popular: a ideia de que o leite de caixinha leva conservantes. “Ele não tem. Ele tem tecnologia”, resumiu.
Em uma apresentação montada especialmente para o grupo, ela explicou o processo UHT (Ultra High Temperature), um tratamento térmico ultra-rápido (ultrapasteurização), que é um processo de esterilização de alimentos que envolve aquecer o produto a temperaturas muito altas, geralmente acima de 135°C, durante um curto período de tempo (cerca de 4 segundos), isso aliado a embalagens assépticas, as famosas Tetrapak, que garantem a durabilidade necessária sem aditivos.

A fala dela foi uma verdadeira aula de bom senso e ciência. Confesso que eu mesmo, que me considerava informado, saí dali com conceitos mais claros e respeito renovado por um alimento que atravessa a vida humana do berço ao último suspiro. “É muito fácil pra mim falar do leite, porque sou fã do leite. Esse é um dos alimentos mais incríveis que a natureza dá pra gente. O leite também é o único alimento que, nós humanos, podemos ingerir desde os primeiros segundos de vida até o último suspiro.“, explica Dra. Ana.
Reflexões de volta pra casa
O retorno para casa foi recheado de conversas sobre raças, produtividade, desafios dos pequenos produtores e a importância dos clusters produtivos. O que ficou claro é que pecuária leiteira moderna é, sim, rentável – mas demanda visão empresarial e uso intensivo de tecnologia. E que, para a base da pirâmide avançar, nada funciona tão bem quanto a boa e velha “difusão por inveja”, como brincou o Diretor de captação Armindo Neto, ao fazer uma analogia do método mais eficaz para estimular os produtores, que é mostrar casos de sucesso para inspirar e provocar.

Como podemos ver, a cadeia do leite brasileira é vasta, complexa e – por que não dizer? – heroica. E eventos como esse, que aproximam consumidores, influenciadores e profissionais do setor, são vitais para reduzir o abismo da desinformação que ainda persiste.
Volto com um olhar mais respeitoso e atento para o copo de leite na mesa. Ele carrega, agora eu sei, muito mais do que cálcio. Carrega histórias, ciência, suor e estratégia. E isso, meu amigo, merece ser valorizado.
AGRONEWS é informação para quem produz