Antracnose do milho pode ter origem mesoamericana e se espalhou com ajuda humana

A disseminação global do patógeno foi impulsionado por fatores naturais e humanos, com destaque para a troca de sementes de milho contaminadas

Uma rede de pesquisadores de 17 países analisou a evolução do fungo Colletotrichum graminicola, causador da antracnose do milho, e identificou três linhagens geneticamente distintas, potencialmente originárias da Mesoamérica. O estudo, que examinou 212 isolados provenientes dos cinco continentes, revelou que a disseminação global do patógeno foi impulsionado por fatores naturais e humanos, com destaque para a troca de sementes contaminadas.

De acordo com Flávia Rogério, colaboradora da Universidade de Salamanca (Usal), na Espanha e da Universidade da Flórida (UF), nos Estados Unidos, a pesquisa apontou que o fungo apresenta três linhagens principais: norte-americana, brasileira e europeia.

“A linhagem da América do Norte parece ser a mais antiga e ancestral, com ramificações que atingiram o Brasil e a Europa. No entanto, a linhagem europeia mostrou ser a mais virulenta, o que pode aumentar os riscos de novos surtos da doença”, explica a cientista.

Flávia Rogério

Além disso, o estudo identificou migração entre a Argentina e a Europa, com isolados argentinos agrupados na linhagem europeia. Esse intercâmbio genético pode ter sido favorecido pelo uso de sementes contaminadas em viveiros de inverno na América do Sul, frequentemente empregados em programas de melhoramento genético.

A investigação utilizou diversos métodos estatísticos e computacionais para analisar a relação entre distância genética e geográfica, concluindo que até 35,8% da variação genética do fungo encontrada pode ser explicada pela distância geográfica entre as populações. A grande mobilidade do fungo, isto é sua capacidade de disseminação, sugere uma longa história de adaptação e migração global, impulsionada por recombinações genéticas. A recombinação genética pode gerar novos genótipos do fungo, aumentando a diversidade genética e virulência.

O pesquisador Wagner Bettiol, da Embrapa Meio Ambiente (SP), reforça que a ação humana teve papel essencial na disseminação do patógeno. O estudo também evidenciou que 80% dos isolados analisados apresentam sinais de mistura genética, enquanto 20% são geneticamente puros. Essa grande diversidade observada aumenta os desafios para o desenvolvimento de variedades de milho resistentes.

Além disso, a pesquisa revelou diferenças significativas na idade e na frequência de eventos de introgressão genética – que é o processo de incorporar alelos de uma espécie no pool genético de outra espécie entre linhagens da América do Norte, Europa e Brasil. Os resultados sugerem que a linhagem norte-americana é a mais antiga e atuou como intermediária na disseminação global do fungo.

Fungos causadores de doenças de plantas podem se disseminar a curtas distâncias por meio do vento e chuva, e a longas distâncias pela ação do homem, quando seus esporos são transportados por materiais vegetativos contaminados.

Preocupação com o retorno de surtos

Ensaios de patogenicidade realizados em laboratório da Universidade de Salamanca, Espanha, demonstraram que diferentes isolados do fungo apresentam variações significativas de virulência. Segundo Flávia Rogério, a evolução da virulência ao longo do tempo levanta preocupações sobre o surgimento de novos surtos — especialmente na Europa — semelhantes aos que ocorreram nos Estados Unidos na década de 1970, quando plantações inteiras foram dizimadas de forma repentina pelo fungo, com perdas de até 100% nas regiões centro-norte e leste daquele país.

A pesquisa sugere que o patógeno seguiu a rota de domesticação do milho, a qual se deu a partir do sul do México, e que a linhagem norte-americana do fungo funcionou como intermediária na dispersão global dele. Estudos anteriores apontam um padrão semelhante com Setosphaeria turcica, outro fungo que afeta o milho e que se espalhou globalmente a partir do México.

Os cientistas alertam para a necessidade de maior monitoramento genético e adoção de medidas preventivas. Segundo recomendações de pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo (MG), o manejo eficaz da antracnose inclui o plantio de cultivares resistentes, adubação equilibrada, rotação de culturas e evitação de plantios sucessivos. Essas práticas ajudam a reduzir o potencial de infecção do patógeno e a proteger as lavouras.

A identificação da população ancestral do fungo pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias mais eficazes para mitigar os impactos da antracnose do milho, uma vez que essa população pode atuar como reservatório de diversidade genética, incluindo genes associados à resistência a doenças. O monitoramento constante e o uso de genes de resistência múltiplos são essenciais para evitar novos surtos e proteger a segurança alimentar global.

As principais doenças do milho impactam diretamente a produtividade global, ações permanentes e medidas de manejo integrado para reduzir perdas econômicas e garantir a segurança alimentar. Clique aqui e veja mais dicas de especialistas.

Equipe de pesquisa

Flávia Rogério, Universidade de Salamanca, Espanha e Universidade da Flórida, EUA; Cock Van Oosterhout, Universidade de East Anglia, Reino Unido; Stéphane De Mita, Universidade de Montpellier, INRAE, CIRAD, França; Francisco Cuevas-Fernández, Pablo García-Rodríguez, Sioly Becerra, Silvia Gutiérrez -Sánchez e José S. Dambolena, Universidade de Salamanca; Andrés Jacquat e Sofia Ulla, Universidade Nacional de Córdoba, Argentina; Wagner Bettiol, Embrapa Meio Ambiente, Guilherme Hosaka, Esalq/USP, Jürg Hiltbrunner, Agroscope, Zurich, Suiça; Rogelio Santiago e Pedro Revilla, Conselho Superior de Investigação Científica, Espanha; José Vicente-Villardón, Universidade de Salamanca, Ivica Buhiniček, Instituto de Melhoramento e Produção Vegetal, Croacia;. Serenella Sukno e Michael Thon (Coordenador), Universidade de Salamanca.

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Dany Balieiro

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